Se
eu lhes dissesse que aquela manhã parecia ser uma manhã normal, eu estaria
mentindo, e tenho total convicção disto. Eu confesso que não imaginei que
aquele dia fosse ter o desfecho que teve, nem tão pouco a lição que eu levaria
dele.
O
dia amanheceu cinzento. Levantei sem a mínima vontade de pisar os pés fora de
casa, e abri uma fresta da janela, só para ter noção do quanto a manhã me
obrigaria a ficar na cama, enquanto isto era a única coisa que eu não poderia
fazer. O exagero de neblina me deixou deslumbrada, e um pouco assustada,
confesso. Passei a mão dos olhos para retirar os últimos vestígios da
maravilhosa noite de sono que havia sido interrompida pelo toque histérico do
meu despertador.
Como
de costume, às 6:30 estava a caminho do colégio. E, como se já não bastasse, a
garota da rua de trás, que, diga-se de passagem, considerava a si mesma como
minha melhor amiga, cruzou a faixa de pedestres e veio na minha direção. No
entanto, para a minha surpresa, ela não vinha sorridente e saltitante, como de
costume, para falar das inúmeras qualidades do seu namorado, que por sinal era
o mais cobiçado pelas garotas do colégio. Acho que já deu para perceber que eu
REALMENTE não a quero como melhor amiga, certo?!
A
minha reação foi mais ou menos igual à reação que tive com a neblina. Cocei os
olhos novamente. O dia estava REALMENTE estranho. De fato, faziam algumas
semanas que essa garota tinha desaparecido, mas é sempre bom estar um pouco longe
das pessoas irritantes, e eu nem sequer parei para pensar que algo pudesse ter
acontecido. Porém naquele momento ouvi uma voz na minha cabeça, instigando
minha curiosidade, e perguntei o que havia acontecido.
Naquele
momento, em meio a um mar de pessoas, cada um caminhando rumo ao seu destino,
eu ouvi algo que nunca imaginei ser possível antes. Eu me senti um pouco
egoísta. Na verdade eu fui egoísta, pois enquanto ela discursava, eu só
consegui pensar em mim. Eu jamais imaginaria que aquele desaparecimento
repentino (pelo qual eu tinha agradecido muito durante semanas), seria por
minha causa.
Ela
começou a me contar sobre como gostaria de provar a todos que tudo aquilo que a
fazem acreditar é mentira. E que eu fui sua maior esperança nesse quesito,
tanto quanto sua maior decepção. Ela teria sumido para provar que eu seria sua
amiga, suficientemente, a ponto de procurar por ela, nem que fosse olhar para
trás ao atravessar aquela mesma faixa todos os dias. Me senti pequena. Como se
alguém estivesse pisando em mim pouco a pouco. Não que algum dia eu tivesse
confirmado ou tentado estabelecer algum grau de amizade, mas no fim das contas,
isso me fez parar para refletir.
Talvez
eu estivesse sendo precipitada, e provavelmente teria deixado de ver o lado bom
das coisas. Era essa a razão de toda a neblina, e eu tinha deixado de ver a
beleza por trás de toda aquela massa cinzenta que se movimentava abaixo da minha
janela. Aquela imagem, apesar de incomum, poderia ter me feito sentir como se
estivesse olhando as nuvens pela janela de um avião a milhares de quilômetros
do chão. Mas não. Preferi absorver toda a sua estranheza.
Precisava
contar esta história apenas para demonstrar que realmente, talvez as pessoas
estejam se deixando levar por uma sociedade macabra, mantendo seus corações
fechados e enxergando apenas a neblina, quando poderiam ver nuvens da janela do
avião. Hoje tenho certeza que existem muito mais nuvens do que manchas escuras,
e que eu estava completamente errada sobre aquele ser saltitante que me seguia
todas as manhãs. É a vida nos pregando peças e, com situações inteligentes, nos
dando novas lições.
B.S.